domingo, 11 de dezembro de 2011

Fim da 1ª Parte


5.500 visitas em duas semanas. Se alguém acha que o problema não existe, pense nisso. 

Não existe um único lado dentro da FFLCH. Existem pelo menos dois. Um deles não aceita mais agressões.

A idéia é que TODOS reflitam e recuem para um espaço de convivência democrática e civilizada. É pedir muito?

O blog entra em recesso, a bem de meu trabalho, mas os posts continuarão aqui, neste endereço, disponíveis para leitura. Se gostaram do que eu disse, ou simplesmente acharam importante que essas coisas fossem ditas, divulguem os textos nas redes sociais. É importante que as pessoas do mundo exterior percebam que a FFLCH não é um bloco monolítico, apesar da falsa impressão de unanimidade que a violência dos piquetes às vezes é capaz de produzir. 

Abraço a todos, e obrigado pela atenção. 

sábado, 10 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (4) Fórceps ideológico.


Explicitemos de uma vez a pergunta mais incômoda. "Sem as assembléias, seria possível obter os mesmos efeitos? Seria possível "mobilizar" os estudantes? Seria possível organizar greves todos os anos?"

A resposta, não menos incômoda, é também muito simples: "Obviamente não!"

Reciocine comigo. É razoável pensar que toda a FFLCH una-se ano após ano em torno da agenda de lutas proposta pelo movimento estudantil? Imagine que isso de fato acontecesse espontaneamente em algum lugar. Imagine que, diante de assuntos polêmicos, que dividem as opiniões em toda a sociedade, os estudantes de uma certa faculdade sempre reagissem de maneira praticamente unânime. Há bons argumentos favoráveis, por exemplo, ao ensino à distância. E há bons argumentos contrários. Se você tomar qualquer amostra de pessoas minimamente informadas sobre o assunto, constatará a existência de uma divisão. Nessa faculdade, porém, isso não aconteceria. Quase todos os alunos seriam contrários ao ensino à distância, e se disporiam a paralisar as aulas e sair às ruas para combater essa idéia.

O mesmo aconteceria, tempos depois, com o problema da presença da PM dentro do campus. Outro assunto polêmico, que divide as opiniões dentro e fora da Universidade. Nessa curiosa faculdade, porém, haveria uma surpreendente unanimidade. Todos (ou quase todos) não só achariam que a PM deve dar o fora, como também paralisariam espontaneamente as aulas em sinal de protesto. 

A repetição sistemática do fenômeno levaria muitas pessoas a perguntarem - "Afinal de contas, o que acontece de tão estranho nessa faculdade? Por que esses alunos são levados, contra todas as probabilidades, a reagir sempre de maneira unânime, e sempre numa direção previsível? Se nem mesmo na torcida do Corinthians há unanimidade sobre todos esses assuntos, por que raios esse agrupamento humano reage sempre de forma tão coesa?"

Seria um enigma se fosse espontâneo. No caso da FFLCH, não é. A unanimidade em torno desses assuntos simplesmente não existe. É falsa, é fabricada, é arrancada a fórceps por meio de assembléias sabidamente manipuladas. A última greve, por exemplo, foi "decretada" por pouco mais da metade das pessoas presentes a uma assembléia que reunia... 80 alunos. A classe noturna do primeiro ano, para a qual dei aula neste semestre, é mais numerosa. "Ah, mas se as pessoas discordam, basta descer e votar." Uma pinóia. Há uma percepção generalizada (e, na minha opinião, perfeitamente justificada - basta ver o vídeo que postei há alguns dias) segundo a qual esse é um jogo de cartas marcadas. Perdida uma votação na quarta, realiza-se outra (devidamente maquilada) na segunda ou terça-feira seguinte. Convocam-se os reforços de sempre, e a decisão é enfiada goela abaixo de toda a Faculdade por meio de piquetes, cadeiraços, apitaços, invasões de sala e pequenas (mas eficazes) violências do mesmo gênero.

Não é à toa que a maioria das pessoas não reconhece nenhuma legitimidade nessa pilantragem explícita. Não vão às assembléias, não porque sejam "alienadas", "desinformadas", "conformistas", etc. Essas pessoas interessam-se, sim, por política. Discutem apaixonadamente os mesmos assuntos que são discutidos nas assembléias. Participam ativamente de redes sociais, dando suas opiniões e se expondo ao contraditório. São inteligentes, articuladas, preocupadas com a universidade e com o país. Não participam de assembléias porque não querem se transformar em massa de manobra. Só isso. Não querem emprestar legitimidade a um mecanismo sabidamente viciado. Diante da violência dos colegas, vêm se calando - mas irão se calar cada vez menos! Há uma fortíssima tensão entre os estudantes que, se não for reconhecida em toda a sua extensão, acabará explodindo um dia. 

Sem as assembléias, continuará havendo "coesão" em torno da pauta de "lutas" do movimento estudantil? Mas é óbvio que NÃO. Nem poderia haver. Uma vez a cada dez ou quinze anos surgirá um assunto que une estudantes, funcionários e professores, e eventualmente isso resultará em um movimento reivindicatório. Isso é normal. Qualquer coisa diferente disso é artificial, mentirosa, fake. Unanimidades anuais só surgem na FFLCH por conta de dois fatores combinados: assembléias manipuladas e piquetes violentos. 

É contra essa combinação maluca e autoritária que eu escrevo.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Resposta a André Paes Leme

1. Não sei de onde se pode tirar a idéia de que faço política, mas nunca falo a respeito dela. Não tenho feito outra coisa nos últimos dias a não ser FALAR sobre política. Abri um blog com a finalidade exclusiva de discutir a política universitária. É o que estou fazendo neste exato momento, aliás, apesar da enorme pilha de trabalhos para corrigir que me espera aqui ao lado. 

2. Não sei de onde se pode tirar a idéia de que pretendo ser "neutro" nos debates que ocorrem dentro da Universidade. Minhas posições são claríssimas, e estão assumidas publicamente, com minha assinatura embaixo. Qual é a questão a respeito da qual não estou me posicionando? Sou favorável a que haja uma nítida separação entre gestão administrativa e gestão acadêmica da Universidade. Para a primeira, defendo a contratação de um gestor experiente no mercado, capaz de lidar com um orçamento de 3 bilhões anuais; para a segunda, defendo a eleição direta do Conselho Universitário pelos professores (e APENAS por eles, independentemente da titulação). O Reitor deveria, a meu ver, ser simplesmente o presidente desse Conselho. Onde é que você me vê fugindo do debate? Defendo a presença da PM dentro do campus, e acho que a ação da Tropa de Choque na desocupação da Reitoria foi exemplar. Acho que o comandante da Tropa de Choque merece uma medalha pela competência com que conduziu uma operação difícil como aquela sem que ninguém se machucasse. Que clareza adicional você pretende exigir de mim? 

3. Não sei de onde você pode tirar a idéia de que defendo o direito de ir e vir abstratamente, como uma espécie de "curingão" a ser empregado em caso de apuro durante uma discussão. Releia o que escrevi. O que eu digo é outra coisa. Há uma crise de legitimidade nos mecanismos de decisão. Esse é o ponto. Oitenta pessoas acham que podem decidir por todos, e depois socar a decisão goela abaixo da Faculdade mediante o emprego de piquetes. É essa falta de legitimidade que torna a invasão de classe, o cadeiraço, o apitaço, etc. meras agressões - agressões que, aos olhos de quem não vê legitimidade nas assembléias, só poderiam ser respondidas de modo também violento. É preciso dar um basta nessa escalada de violência. É só isso que estou tentando dizer. 

Tréplica de André Paes Leme

Reproduzo abaixo a carta que me foi encaminhada pelo estudante André Paes Leme. Como se trata de um texto bastante longo, introduzi uma quebra no meio dele, para facilitar a navegação pelo blog. Basta clicar em "Mais informações" para ter acesso ao restante do texto. Logo acima, minha resposta.

“Eu o o faço muitas vezes, mas nunca falo dele”. Foi essa a resposta dada pela Sra. Leroi, uma das mais breves e interessantes personagens de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, a uma certa dama pretensiosa que certa vez lhe perguntara: “Que pensa a Sra. do amor?”

Estamos certos de que, caso a pergunta feita pela tal dama pretensiosa envolvesse não o amor, mas a política, a resposta do Profº João Vergílio não poderia ser muito diferente daquela ofertada pela geniosa Sra. Leroi. Dizemos isso, pois é muito claro, para quem acompanha seus textos e comentários sobre a greve dos estudantes, que o Profº muitas vezes FAZ política, mas (quase) nunca fala dela. Pelo menos, não com a qualidade que seesperaria. É interessante perceber como o conservadorismo tem se tornado um discurso cada vez mais límpido, translúcido, neutro... Um discurso que se pretende proferido de um certolugar privilegiado para o COMENTÁRIO POLÍTICO. Para além do embate de ideias e ações políticas, o discurso conservador pretende-se cristalino, livre de contradições. Ele é incapazde se apresentar enquanto POSIÇÃO POLÍTICA. Sua estratégia passa por enunciar-se como expressão de um certo topos da consciência individual, isto é, como a “voz da razão”. Ele é sempre o primeiro a a manter o dedo em riste contra a “anormalidade” é sempre o primeiro a defender com unhas, dentes e blogs a função legal dos espaços X ou Y; não perde tempo em evocar a letra morta da lei para condenar qualquer manifestação ou ato político que venha a flertar com a obstrução de seus sagrados direitos, para que venham à tona outrosque não estejam sendo cumpridos. É sintomático o caso do direito de ir e vir, que vem se convertendo, nas mãos certo conservadorismo, em arma de combate contra o direito, não menos fundamental, de livre manifestação.

A greve como farsa. (3) Assembleísmo.



No próximo domingo, este blog entra em recesso por tempo indeterminado. Quando o criei, há duas semanas, tinha um objetivo específico em mente, que foi plenamente cumprido: dar expressão a um tipo de pensamento que normalmente não emerge nas assembléias de alunos e professores da FFLCH. Em 16 anos de docência, esta foi a primeira vez que expressei fora do âmbito mais restrito de um forum de professores minhas opiniões a respeito da Universidade e dos movimentos grevistas que emergem quase todos os anos en nossa Faculdade. Os inúmeros e-mails que me foram enviados por alunos e colegas, apoiando-me, bem como a alta quantidade de acessos diários ao blog convenceram-me de que toquei num ponto sensível do debate. Sem pretender representar nenhuma outra pessoa que não seja eu mesmo, acabei articulando um discurso no qual muitos se reconheceram. 

As pessoas que me apoiaram não o fizeram porque concordam comigo no detalhe. O problema é outro, de ordem mais geral. Existe uma revolta dentro da Universidade com relação aos métodos empregados pelo movimento estudantil em suas manifestações. Existe a percepção generalizada de que esses métodos não expressam a opinião nem refletem a postura da maioria dos estudantes. Refletem, no máximo, a postura dos estudantes que frequentam assembléias, e vêm nelas um mecanismo legítimo de tomada coletiva de decisões. Os que não as frequentam, não são, como muitas vezes se diz, "alienados", "ignorantes" ou "conformistas". Não estão (para aproveitar uma expressão que alguém utilizou neste espaço) interessados apenas em "engordar o próprio Lattes", permanecendo alheios a tudo o que diga respeito à Universidade e ao país. Essas pessoas têm opiniões, procuram se informar e discutem com frequência exatamente os mesmos problemas que são debatidos nas assembléias. Só não aceitam mais debatê-los ali, naquele tipo de espaço.

Por quê?

Basicamente porque se convenceram de que assembléias são mecanismos de manipulação ideológica criados com a finalidade específica de fabricar falsas maiorias e dar respaldo à atuação política de grupos minúsculos que, sem a possibilidade de instrumentalizar aquele espaço, não teriam nenhuma expressão dentro da Universidade. É comum que a resposta a esta inquietação venha na forma de um convite à participação. Alegam que, se alguém quiser mudar os mecanismos de decisão coletiva, deve primeiro ganhar o voto das assembléias. Isso é uma falácia. Quem está convencido de que esses mecanismos são essencialmente viciados não está disposto a legitimá-los com sua presença. Esse é o ponto. Há um mecanismo muito antigo e muito simples de verificação da vontade da maioria: a urna. Agora, com a disponibilidade de urnas eletrônicas, que podem ser acessadas da casa de cada um a qualquer hora, esse mecanismo está ainda mais simplificado e eficiente. É disso que o movimento estudantil (e também o sindicalismo dos professores) foge como o diabo foge da cruz: do voto. É isso que eles querem evitar a todo custo. É essa a mão em troca da qual eles estão dispostos a entregar todos os dedos se for necessário. Enquanto puderem manipular assembléias, essas minorias continuarão tendo força e influência. Sem elas, serão reduzidas a seu verdadeiro tamanho, e terão que convencer seus colegas mediante o uso da palavra, ao invés de agir com violência para impor a todos as decisões tomadas por alguns.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (2) O Generoso Pavio.



Lá pelas tantas, um ministro da ditadura resolveu justificar a censura prévia dizendo que alguns textos, embora não fossem diretamente subversivos, ofereciam à subversão um "generoso pavio". O Pasquim, aproveitando-se dos ecos sexuais presentes na expressão, deitou e rolou, produzindo variações infindáveis e engraçadíssimas sobre o tema. Quarenta anos depois, vejo a doutrina ressurgir como uma espécie de pano de fundo de certos discursos a respeito das greves estudantis.

Segundo essa narrativa, o principal mérito de uma greve estudantil não está naquilo que ela reivindica, mas no modo como o faz. Pouco importa o que se peça - importa apenas a forma geral da reivindicação, o elemento de ruptura que a greve introduz no cotidiano bovino de uma sociedade anestesiada pelo conformismo. A greve de estudantes ainda não é a explosão revolucionária de nossos sonhos, mas já é, pelo menos, um generosíssimo pavio. Grandes eventos na história da humanidade nasceram de incidentes aparentemente banais, lembram eles. A Primeira Guerra, de um assassinato. O movimento negro, de um incidente dentro de um ônibus. A Guerra de Tróia, do rapto de uma gostosona. Sabe-se lá o que pode acontecer a partir de uma invasão de Reitoria...

Os comunistas do meu tempo podiam ser alucinados, mas tinham um discurso fechadinho, coerente, cheio de respostas para tudo. "De onde virão as armas?" Eles respondiam. "Qual é o seu modelo de sociedade?" A China. Cuba. A URSS. A Albânia. Cada um tinha o seu. "Como chegaremos lá?" Assim. Assado. "Devemos participar do processo eleitoral burguês?" Sim. Não. Por este motivo. Por aquele. Havia uma "narrativa revolucionária" na boca de cada um. Costumava ser completamente maluca, é verdade. Mas pelo menos existia. A conversa não travava na primeira perguntinha inconveniente do interlocutor.

Agora, experimente você mesmo(a). Faça uma dessas perguntas a qualquer um deles. O efeito será semelhante ao provocado pelo sal no corpo da minhoca: contorcionismos verbais que não apontam para lugar nenhum. É o revolucionário "vamo-que-vamo". O comunista "um, dois, três, já!". "É somente na caminhada que o caminhante descobre o seu caminho", costumam dizer. Tudo bem. É o que também dizem os náufragos no meio do oceano, e os cegos no meio do tiroteio. Gente sensata sai de casa com um mínimo de noção do lugar para onde quer ir. Um endereço no bolso, que seja. Só bêbados tentam descobrir o caminho no meio da caminhada. Em geral, não conseguem. Nos piores casos, acabam numa delegacia.

A única coisa que eles conseguem divisar no horizonte é uma ruptura, uma revolta generalizada, uma explosão. Como essa ruptura não tem conteúdo nenhum, qualquer coisa assemelhada a uma ruptura serve. Trata-se da tal "mágia homeopática", que abordei num post anterior. Convencido de que a sociedade, como a natureza, opera por semelhança, o pajé infere que pode produzir qualquer efeito desejado imitando-o cerimonialmente. "Hoje, é greve estudantil. / Um dia, a greve geral / toma conta do Brasil / e o capitalismo... babau!" Pajelança em estado bruto. Daí ao desfecho a que assistimos não vai mais que um passo. Uns malucos se reúnem, manipulam uma assembléia, invadem a Reitoria a botinadas, provocam a ação da PM, chamam uma greve, invadem as salas de aula, e lá se vai mais um semestre, em nome de caminhos que a caminhada infelizmente não foi capaz de descobrir.

Toda essa máquina ideológica maluca gira em torno de um único eixo: as tais "assembléias". Sem assembléias, a pajelança toda fica inviável. Sabendo disso, o pajé trata de envolver essa porcaria, esse lixo autoritário numa aura democrática. O que aconteceu no pátio da História, ou no pátio da Letras (vejam o vídeo postado anteriormente) seria um renascimento da democracia direta dos atenienses. O povo reunido na ágora decide seus próprios destinos. No post de amanhã, desceremos a ripa nessa mitologia imbecil.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (1) Taxonomia básica.


Como funciona uma greve?

Depende.

No caso das greves usuais, há um conflito entre patrões e empregados a respeito, por exemplo, do valor do salário. Empregados querem receber mais, e os patrões se recusam a dar o aumento. Preferem empregar o dinheiro excedente (caso exista) de outra forma - investindo na empresa, ou simplesmente embolsando-o, na forma de lucro. Os empregados resolvem, então, paralisar a produção, afetando diretamente o bolso do patrão. O dinheiro pára de entrar. Ele é obrigado a negociar com os grevistas e, eventualmente, abrir mão de parte de seus lucros, ou adiar investimentos na empresa.

No caso das greves do fucionalismo público, as coisas são um pouco diversas. Há um conflito entre funcionários e Governo a respeito, por exemplo, do valor do salário. Os funcionários querem receber mais, e o Governo se recusa a dar o aumento. Prefere empregar o dinheiro excedente (caso exista) em outras coisas - contratar mais funcionários, ou então investir em saúde, educação, infraestrutura, etc. Os funcionários resolvem, então, paralisar os serviços. Isso não afeta, é claro, o orçamento do Governo, ou o bolso do governante de plantão. O dinheiro dos impostos não pára de entrar. O salário do Governador não deixa de ser pago. A paralisação afeta a população - doentes ficam sem médicos, crianças ficam sem aulas, o serviço de polícia é interrompido, e assim por diante. Os eleitores começam a chiar. O governador sente-se pressionado, então, a negociar e, eventualmente, adiar novas contratações e novos investimentos públicos para satisfazer os grevistas.

No caso das greves estudantis, as coisas são muito diferentes de tudo que você possa imaginar. Elas sempre envolvem um componente um pouco surreal. Funcionam do seguinte modo.

Os estudantes têm uma reivindicação. Querem a PM fora do campus, acham o preço do bandejão muito alto, são contrários ao ensino à distância, e assim por diante. O Governo, a Reitoria, ou ambos são contrários àquela reivindicação. Os alunos resolvem, então, paralisar o recebimento dos serviços. É isso, mesmo - não aceitam mais receber os serviços prestados pelo Estado. É o que corresponderia, no caso dos hospitais, a uma greve de doentes; no caso de aposentados, a uma greve de recebimentos ("Ninguém vai ao banco este mês!"); e assim por diante. A paralisação obviamente não afeta ninguém. Uma greve de estudantes é simplesmente lacrimogênea, e provoca no máximo efeitos morais. Não chega nem mesmo a ser bala de borracha. É bala de festim - só faz barulho. Por isso mesmo, pode se estender por meses a fio, e costuma ser reforçada por invasões de prédios e outras ações espalhafatosas. Eventualmente, a situação começa a pegar mal para o Governo. Se a população tem simpatia pelas reivindicações, é possível que o governante tente atender a uma ou duas reivindicações para que a moçada deixe de produzir cenas incômodas nos telejornais. Se a população tomou-se de raiva pelos estudantes; se existe, enfim, o sentimento difuso de que "esses vagabundos merecem mesmo é uma boa coça", o Governador pode concluir que já é hora de enviar a tropa de choque para resolver a parada. O importante é que, no final da história, ele consiga ficar bem na foto. Por via de regra, consegue.

A greve de funcionários públicos tem um componente claramente imoral. Usa a dor causada na população como moeda de troca em negociações salariais. A greve de estudantes, não. Ela nada tem de imoral. É um pouco ridícula, mas não passa disso. Seu objetivo, como vimos, é simplesmente criar uma situação inusitada, que atraia a atenção da mídia. (Vir pelado à Universidade surtiria basicamente o mesmo efeito.) Suas reivindicações, por via de regra, ficam no limite da compreensibilidade. A população mal consegue entender pelo que se está lutando. Numa palavra, é um zero à esquerda. Por que, então, ela é vista como um bem tão precioso por determinados setores dentro e fora da universidade?

Porque ela é um símbolo de si mesma.

É o que veremos no post de amanhã.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Leituras de ocasião


Para invadir a Reitoria a botinadas, Zizek. Para a defesa do Estatuto, Kelsen. 

Data maxima venia, que tal doar as folhas do Estatuto a uma peixaria?

Fascistas são vocês!

Assembléia da Letras
17/11/2011


Mate pastor


"Só uma assembléia pode pôr fim às assembléias."

E só o ditador pode pôr fim à ditadura?

Ao invés de bater o pezinho, insistindo na bobagem, por que não jogar limpo? 

Que tal um plebiscito?

O que João Vergílio diria a seus botões


"Ninguém é contra a participação da Universidade no debate nacional, meu caro. Só não entendo por que essa participação deva se dar através da manipulação descarada da vontade coletiva em assembléias, e mediante o emprego de métodos violentos para garantir a implementação daquilo que foi decidido por escandalosas minorias."

P.S.: maiores detalhes, no vídeo que postei logo acima.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Uma nota de ceticismo a respeito do que eu disse


A bandeira dos estudantes não poderia ser mais ridícula. A legitimidade de suas assembléias é nula. Seus órgãos de representação valem tanto quanto uma nota de sete. Seus métodos envolvem uma violência absolutamente antiética, na medida em que partem do pressuposto de que o lado de lá não está autorizado a agir baseado nos mesmos princípios. 

Apesar disso tudo, eles são uma das poucas forças vivas na sociedade civil brasileira de hoje.

Olhe o que está acontecendo na Grécia, meu caro. Olhe o que está acontecendo em toda a Europa. A democracia formal está se dissolvendo. As eleições têm tanto sentido político quanto a escolha da Miss Universo. Tanto faz escolher Fulano ou Sicrano. A política implementada será a do grande capital.

Aqui no Brasil, temos a mesma situação, só que mascarada por dois fatos: a prosperidade econômica e as mudanças efetivas no perfil da sociedade induzidas pelas políticas sociais dos governos petistas. Paralelamente a isso, políticas econômicas ultraconservadoras, das quais o Itaú, por exemplo, certamente não tem do que reclamar. 

Temos a impressão, no Brasil, de ainda estarmos fazendo opções reais quando vamos às urnas. A polaridade entre "tucanos" e "petistas" ainda consegue dar um sentido residual à democracia brasileira. Mas há um mal-estar permanente no fundo de todas as discussões. De algum modo, sentimos que, de Pedro Malan para Antônio Palocci, houve a mais perfeita continuidade e que estamos simplesmente anestesiados pela bonita cena de pessoas humildes finalmente sentando ao nosso lado nos aviões.

E se der errado? E se a crise chegar por aqui com força? Que alternativa será oferecida à sociedade? A "lição de casa" da Miriam Leitão?

Não ria demais dos estudantes, João Vergílio. No final das contas, apesar de todo o ridículo, eles podem estar carregando consigo uma inquietação muito mais profunda do que a mera recusa da Polícia Militar dentro do campus