domingo, 11 de dezembro de 2011

Fim da 1ª Parte


5.500 visitas em duas semanas. Se alguém acha que o problema não existe, pense nisso. 

Não existe um único lado dentro da FFLCH. Existem pelo menos dois. Um deles não aceita mais agressões.

A idéia é que TODOS reflitam e recuem para um espaço de convivência democrática e civilizada. É pedir muito?

O blog entra em recesso, a bem de meu trabalho, mas os posts continuarão aqui, neste endereço, disponíveis para leitura. Se gostaram do que eu disse, ou simplesmente acharam importante que essas coisas fossem ditas, divulguem os textos nas redes sociais. É importante que as pessoas do mundo exterior percebam que a FFLCH não é um bloco monolítico, apesar da falsa impressão de unanimidade que a violência dos piquetes às vezes é capaz de produzir. 

Abraço a todos, e obrigado pela atenção. 

sábado, 10 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (4) Fórceps ideológico.


Explicitemos de uma vez a pergunta mais incômoda. "Sem as assembléias, seria possível obter os mesmos efeitos? Seria possível "mobilizar" os estudantes? Seria possível organizar greves todos os anos?"

A resposta, não menos incômoda, é também muito simples: "Obviamente não!"

Reciocine comigo. É razoável pensar que toda a FFLCH una-se ano após ano em torno da agenda de lutas proposta pelo movimento estudantil? Imagine que isso de fato acontecesse espontaneamente em algum lugar. Imagine que, diante de assuntos polêmicos, que dividem as opiniões em toda a sociedade, os estudantes de uma certa faculdade sempre reagissem de maneira praticamente unânime. Há bons argumentos favoráveis, por exemplo, ao ensino à distância. E há bons argumentos contrários. Se você tomar qualquer amostra de pessoas minimamente informadas sobre o assunto, constatará a existência de uma divisão. Nessa faculdade, porém, isso não aconteceria. Quase todos os alunos seriam contrários ao ensino à distância, e se disporiam a paralisar as aulas e sair às ruas para combater essa idéia.

O mesmo aconteceria, tempos depois, com o problema da presença da PM dentro do campus. Outro assunto polêmico, que divide as opiniões dentro e fora da Universidade. Nessa curiosa faculdade, porém, haveria uma surpreendente unanimidade. Todos (ou quase todos) não só achariam que a PM deve dar o fora, como também paralisariam espontaneamente as aulas em sinal de protesto. 

A repetição sistemática do fenômeno levaria muitas pessoas a perguntarem - "Afinal de contas, o que acontece de tão estranho nessa faculdade? Por que esses alunos são levados, contra todas as probabilidades, a reagir sempre de maneira unânime, e sempre numa direção previsível? Se nem mesmo na torcida do Corinthians há unanimidade sobre todos esses assuntos, por que raios esse agrupamento humano reage sempre de forma tão coesa?"

Seria um enigma se fosse espontâneo. No caso da FFLCH, não é. A unanimidade em torno desses assuntos simplesmente não existe. É falsa, é fabricada, é arrancada a fórceps por meio de assembléias sabidamente manipuladas. A última greve, por exemplo, foi "decretada" por pouco mais da metade das pessoas presentes a uma assembléia que reunia... 80 alunos. A classe noturna do primeiro ano, para a qual dei aula neste semestre, é mais numerosa. "Ah, mas se as pessoas discordam, basta descer e votar." Uma pinóia. Há uma percepção generalizada (e, na minha opinião, perfeitamente justificada - basta ver o vídeo que postei há alguns dias) segundo a qual esse é um jogo de cartas marcadas. Perdida uma votação na quarta, realiza-se outra (devidamente maquilada) na segunda ou terça-feira seguinte. Convocam-se os reforços de sempre, e a decisão é enfiada goela abaixo de toda a Faculdade por meio de piquetes, cadeiraços, apitaços, invasões de sala e pequenas (mas eficazes) violências do mesmo gênero.

Não é à toa que a maioria das pessoas não reconhece nenhuma legitimidade nessa pilantragem explícita. Não vão às assembléias, não porque sejam "alienadas", "desinformadas", "conformistas", etc. Essas pessoas interessam-se, sim, por política. Discutem apaixonadamente os mesmos assuntos que são discutidos nas assembléias. Participam ativamente de redes sociais, dando suas opiniões e se expondo ao contraditório. São inteligentes, articuladas, preocupadas com a universidade e com o país. Não participam de assembléias porque não querem se transformar em massa de manobra. Só isso. Não querem emprestar legitimidade a um mecanismo sabidamente viciado. Diante da violência dos colegas, vêm se calando - mas irão se calar cada vez menos! Há uma fortíssima tensão entre os estudantes que, se não for reconhecida em toda a sua extensão, acabará explodindo um dia. 

Sem as assembléias, continuará havendo "coesão" em torno da pauta de "lutas" do movimento estudantil? Mas é óbvio que NÃO. Nem poderia haver. Uma vez a cada dez ou quinze anos surgirá um assunto que une estudantes, funcionários e professores, e eventualmente isso resultará em um movimento reivindicatório. Isso é normal. Qualquer coisa diferente disso é artificial, mentirosa, fake. Unanimidades anuais só surgem na FFLCH por conta de dois fatores combinados: assembléias manipuladas e piquetes violentos. 

É contra essa combinação maluca e autoritária que eu escrevo.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Resposta a André Paes Leme

1. Não sei de onde se pode tirar a idéia de que faço política, mas nunca falo a respeito dela. Não tenho feito outra coisa nos últimos dias a não ser FALAR sobre política. Abri um blog com a finalidade exclusiva de discutir a política universitária. É o que estou fazendo neste exato momento, aliás, apesar da enorme pilha de trabalhos para corrigir que me espera aqui ao lado. 

2. Não sei de onde se pode tirar a idéia de que pretendo ser "neutro" nos debates que ocorrem dentro da Universidade. Minhas posições são claríssimas, e estão assumidas publicamente, com minha assinatura embaixo. Qual é a questão a respeito da qual não estou me posicionando? Sou favorável a que haja uma nítida separação entre gestão administrativa e gestão acadêmica da Universidade. Para a primeira, defendo a contratação de um gestor experiente no mercado, capaz de lidar com um orçamento de 3 bilhões anuais; para a segunda, defendo a eleição direta do Conselho Universitário pelos professores (e APENAS por eles, independentemente da titulação). O Reitor deveria, a meu ver, ser simplesmente o presidente desse Conselho. Onde é que você me vê fugindo do debate? Defendo a presença da PM dentro do campus, e acho que a ação da Tropa de Choque na desocupação da Reitoria foi exemplar. Acho que o comandante da Tropa de Choque merece uma medalha pela competência com que conduziu uma operação difícil como aquela sem que ninguém se machucasse. Que clareza adicional você pretende exigir de mim? 

3. Não sei de onde você pode tirar a idéia de que defendo o direito de ir e vir abstratamente, como uma espécie de "curingão" a ser empregado em caso de apuro durante uma discussão. Releia o que escrevi. O que eu digo é outra coisa. Há uma crise de legitimidade nos mecanismos de decisão. Esse é o ponto. Oitenta pessoas acham que podem decidir por todos, e depois socar a decisão goela abaixo da Faculdade mediante o emprego de piquetes. É essa falta de legitimidade que torna a invasão de classe, o cadeiraço, o apitaço, etc. meras agressões - agressões que, aos olhos de quem não vê legitimidade nas assembléias, só poderiam ser respondidas de modo também violento. É preciso dar um basta nessa escalada de violência. É só isso que estou tentando dizer. 

Tréplica de André Paes Leme

Reproduzo abaixo a carta que me foi encaminhada pelo estudante André Paes Leme. Como se trata de um texto bastante longo, introduzi uma quebra no meio dele, para facilitar a navegação pelo blog. Basta clicar em "Mais informações" para ter acesso ao restante do texto. Logo acima, minha resposta.

“Eu o o faço muitas vezes, mas nunca falo dele”. Foi essa a resposta dada pela Sra. Leroi, uma das mais breves e interessantes personagens de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, a uma certa dama pretensiosa que certa vez lhe perguntara: “Que pensa a Sra. do amor?”

Estamos certos de que, caso a pergunta feita pela tal dama pretensiosa envolvesse não o amor, mas a política, a resposta do Profº João Vergílio não poderia ser muito diferente daquela ofertada pela geniosa Sra. Leroi. Dizemos isso, pois é muito claro, para quem acompanha seus textos e comentários sobre a greve dos estudantes, que o Profº muitas vezes FAZ política, mas (quase) nunca fala dela. Pelo menos, não com a qualidade que seesperaria. É interessante perceber como o conservadorismo tem se tornado um discurso cada vez mais límpido, translúcido, neutro... Um discurso que se pretende proferido de um certolugar privilegiado para o COMENTÁRIO POLÍTICO. Para além do embate de ideias e ações políticas, o discurso conservador pretende-se cristalino, livre de contradições. Ele é incapazde se apresentar enquanto POSIÇÃO POLÍTICA. Sua estratégia passa por enunciar-se como expressão de um certo topos da consciência individual, isto é, como a “voz da razão”. Ele é sempre o primeiro a a manter o dedo em riste contra a “anormalidade” é sempre o primeiro a defender com unhas, dentes e blogs a função legal dos espaços X ou Y; não perde tempo em evocar a letra morta da lei para condenar qualquer manifestação ou ato político que venha a flertar com a obstrução de seus sagrados direitos, para que venham à tona outrosque não estejam sendo cumpridos. É sintomático o caso do direito de ir e vir, que vem se convertendo, nas mãos certo conservadorismo, em arma de combate contra o direito, não menos fundamental, de livre manifestação.

A greve como farsa. (3) Assembleísmo.



No próximo domingo, este blog entra em recesso por tempo indeterminado. Quando o criei, há duas semanas, tinha um objetivo específico em mente, que foi plenamente cumprido: dar expressão a um tipo de pensamento que normalmente não emerge nas assembléias de alunos e professores da FFLCH. Em 16 anos de docência, esta foi a primeira vez que expressei fora do âmbito mais restrito de um forum de professores minhas opiniões a respeito da Universidade e dos movimentos grevistas que emergem quase todos os anos en nossa Faculdade. Os inúmeros e-mails que me foram enviados por alunos e colegas, apoiando-me, bem como a alta quantidade de acessos diários ao blog convenceram-me de que toquei num ponto sensível do debate. Sem pretender representar nenhuma outra pessoa que não seja eu mesmo, acabei articulando um discurso no qual muitos se reconheceram. 

As pessoas que me apoiaram não o fizeram porque concordam comigo no detalhe. O problema é outro, de ordem mais geral. Existe uma revolta dentro da Universidade com relação aos métodos empregados pelo movimento estudantil em suas manifestações. Existe a percepção generalizada de que esses métodos não expressam a opinião nem refletem a postura da maioria dos estudantes. Refletem, no máximo, a postura dos estudantes que frequentam assembléias, e vêm nelas um mecanismo legítimo de tomada coletiva de decisões. Os que não as frequentam, não são, como muitas vezes se diz, "alienados", "ignorantes" ou "conformistas". Não estão (para aproveitar uma expressão que alguém utilizou neste espaço) interessados apenas em "engordar o próprio Lattes", permanecendo alheios a tudo o que diga respeito à Universidade e ao país. Essas pessoas têm opiniões, procuram se informar e discutem com frequência exatamente os mesmos problemas que são debatidos nas assembléias. Só não aceitam mais debatê-los ali, naquele tipo de espaço.

Por quê?

Basicamente porque se convenceram de que assembléias são mecanismos de manipulação ideológica criados com a finalidade específica de fabricar falsas maiorias e dar respaldo à atuação política de grupos minúsculos que, sem a possibilidade de instrumentalizar aquele espaço, não teriam nenhuma expressão dentro da Universidade. É comum que a resposta a esta inquietação venha na forma de um convite à participação. Alegam que, se alguém quiser mudar os mecanismos de decisão coletiva, deve primeiro ganhar o voto das assembléias. Isso é uma falácia. Quem está convencido de que esses mecanismos são essencialmente viciados não está disposto a legitimá-los com sua presença. Esse é o ponto. Há um mecanismo muito antigo e muito simples de verificação da vontade da maioria: a urna. Agora, com a disponibilidade de urnas eletrônicas, que podem ser acessadas da casa de cada um a qualquer hora, esse mecanismo está ainda mais simplificado e eficiente. É disso que o movimento estudantil (e também o sindicalismo dos professores) foge como o diabo foge da cruz: do voto. É isso que eles querem evitar a todo custo. É essa a mão em troca da qual eles estão dispostos a entregar todos os dedos se for necessário. Enquanto puderem manipular assembléias, essas minorias continuarão tendo força e influência. Sem elas, serão reduzidas a seu verdadeiro tamanho, e terão que convencer seus colegas mediante o uso da palavra, ao invés de agir com violência para impor a todos as decisões tomadas por alguns.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (2) O Generoso Pavio.



Lá pelas tantas, um ministro da ditadura resolveu justificar a censura prévia dizendo que alguns textos, embora não fossem diretamente subversivos, ofereciam à subversão um "generoso pavio". O Pasquim, aproveitando-se dos ecos sexuais presentes na expressão, deitou e rolou, produzindo variações infindáveis e engraçadíssimas sobre o tema. Quarenta anos depois, vejo a doutrina ressurgir como uma espécie de pano de fundo de certos discursos a respeito das greves estudantis.

Segundo essa narrativa, o principal mérito de uma greve estudantil não está naquilo que ela reivindica, mas no modo como o faz. Pouco importa o que se peça - importa apenas a forma geral da reivindicação, o elemento de ruptura que a greve introduz no cotidiano bovino de uma sociedade anestesiada pelo conformismo. A greve de estudantes ainda não é a explosão revolucionária de nossos sonhos, mas já é, pelo menos, um generosíssimo pavio. Grandes eventos na história da humanidade nasceram de incidentes aparentemente banais, lembram eles. A Primeira Guerra, de um assassinato. O movimento negro, de um incidente dentro de um ônibus. A Guerra de Tróia, do rapto de uma gostosona. Sabe-se lá o que pode acontecer a partir de uma invasão de Reitoria...

Os comunistas do meu tempo podiam ser alucinados, mas tinham um discurso fechadinho, coerente, cheio de respostas para tudo. "De onde virão as armas?" Eles respondiam. "Qual é o seu modelo de sociedade?" A China. Cuba. A URSS. A Albânia. Cada um tinha o seu. "Como chegaremos lá?" Assim. Assado. "Devemos participar do processo eleitoral burguês?" Sim. Não. Por este motivo. Por aquele. Havia uma "narrativa revolucionária" na boca de cada um. Costumava ser completamente maluca, é verdade. Mas pelo menos existia. A conversa não travava na primeira perguntinha inconveniente do interlocutor.

Agora, experimente você mesmo(a). Faça uma dessas perguntas a qualquer um deles. O efeito será semelhante ao provocado pelo sal no corpo da minhoca: contorcionismos verbais que não apontam para lugar nenhum. É o revolucionário "vamo-que-vamo". O comunista "um, dois, três, já!". "É somente na caminhada que o caminhante descobre o seu caminho", costumam dizer. Tudo bem. É o que também dizem os náufragos no meio do oceano, e os cegos no meio do tiroteio. Gente sensata sai de casa com um mínimo de noção do lugar para onde quer ir. Um endereço no bolso, que seja. Só bêbados tentam descobrir o caminho no meio da caminhada. Em geral, não conseguem. Nos piores casos, acabam numa delegacia.

A única coisa que eles conseguem divisar no horizonte é uma ruptura, uma revolta generalizada, uma explosão. Como essa ruptura não tem conteúdo nenhum, qualquer coisa assemelhada a uma ruptura serve. Trata-se da tal "mágia homeopática", que abordei num post anterior. Convencido de que a sociedade, como a natureza, opera por semelhança, o pajé infere que pode produzir qualquer efeito desejado imitando-o cerimonialmente. "Hoje, é greve estudantil. / Um dia, a greve geral / toma conta do Brasil / e o capitalismo... babau!" Pajelança em estado bruto. Daí ao desfecho a que assistimos não vai mais que um passo. Uns malucos se reúnem, manipulam uma assembléia, invadem a Reitoria a botinadas, provocam a ação da PM, chamam uma greve, invadem as salas de aula, e lá se vai mais um semestre, em nome de caminhos que a caminhada infelizmente não foi capaz de descobrir.

Toda essa máquina ideológica maluca gira em torno de um único eixo: as tais "assembléias". Sem assembléias, a pajelança toda fica inviável. Sabendo disso, o pajé trata de envolver essa porcaria, esse lixo autoritário numa aura democrática. O que aconteceu no pátio da História, ou no pátio da Letras (vejam o vídeo postado anteriormente) seria um renascimento da democracia direta dos atenienses. O povo reunido na ágora decide seus próprios destinos. No post de amanhã, desceremos a ripa nessa mitologia imbecil.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (1) Taxonomia básica.


Como funciona uma greve?

Depende.

No caso das greves usuais, há um conflito entre patrões e empregados a respeito, por exemplo, do valor do salário. Empregados querem receber mais, e os patrões se recusam a dar o aumento. Preferem empregar o dinheiro excedente (caso exista) de outra forma - investindo na empresa, ou simplesmente embolsando-o, na forma de lucro. Os empregados resolvem, então, paralisar a produção, afetando diretamente o bolso do patrão. O dinheiro pára de entrar. Ele é obrigado a negociar com os grevistas e, eventualmente, abrir mão de parte de seus lucros, ou adiar investimentos na empresa.

No caso das greves do fucionalismo público, as coisas são um pouco diversas. Há um conflito entre funcionários e Governo a respeito, por exemplo, do valor do salário. Os funcionários querem receber mais, e o Governo se recusa a dar o aumento. Prefere empregar o dinheiro excedente (caso exista) em outras coisas - contratar mais funcionários, ou então investir em saúde, educação, infraestrutura, etc. Os funcionários resolvem, então, paralisar os serviços. Isso não afeta, é claro, o orçamento do Governo, ou o bolso do governante de plantão. O dinheiro dos impostos não pára de entrar. O salário do Governador não deixa de ser pago. A paralisação afeta a população - doentes ficam sem médicos, crianças ficam sem aulas, o serviço de polícia é interrompido, e assim por diante. Os eleitores começam a chiar. O governador sente-se pressionado, então, a negociar e, eventualmente, adiar novas contratações e novos investimentos públicos para satisfazer os grevistas.

No caso das greves estudantis, as coisas são muito diferentes de tudo que você possa imaginar. Elas sempre envolvem um componente um pouco surreal. Funcionam do seguinte modo.

Os estudantes têm uma reivindicação. Querem a PM fora do campus, acham o preço do bandejão muito alto, são contrários ao ensino à distância, e assim por diante. O Governo, a Reitoria, ou ambos são contrários àquela reivindicação. Os alunos resolvem, então, paralisar o recebimento dos serviços. É isso, mesmo - não aceitam mais receber os serviços prestados pelo Estado. É o que corresponderia, no caso dos hospitais, a uma greve de doentes; no caso de aposentados, a uma greve de recebimentos ("Ninguém vai ao banco este mês!"); e assim por diante. A paralisação obviamente não afeta ninguém. Uma greve de estudantes é simplesmente lacrimogênea, e provoca no máximo efeitos morais. Não chega nem mesmo a ser bala de borracha. É bala de festim - só faz barulho. Por isso mesmo, pode se estender por meses a fio, e costuma ser reforçada por invasões de prédios e outras ações espalhafatosas. Eventualmente, a situação começa a pegar mal para o Governo. Se a população tem simpatia pelas reivindicações, é possível que o governante tente atender a uma ou duas reivindicações para que a moçada deixe de produzir cenas incômodas nos telejornais. Se a população tomou-se de raiva pelos estudantes; se existe, enfim, o sentimento difuso de que "esses vagabundos merecem mesmo é uma boa coça", o Governador pode concluir que já é hora de enviar a tropa de choque para resolver a parada. O importante é que, no final da história, ele consiga ficar bem na foto. Por via de regra, consegue.

A greve de funcionários públicos tem um componente claramente imoral. Usa a dor causada na população como moeda de troca em negociações salariais. A greve de estudantes, não. Ela nada tem de imoral. É um pouco ridícula, mas não passa disso. Seu objetivo, como vimos, é simplesmente criar uma situação inusitada, que atraia a atenção da mídia. (Vir pelado à Universidade surtiria basicamente o mesmo efeito.) Suas reivindicações, por via de regra, ficam no limite da compreensibilidade. A população mal consegue entender pelo que se está lutando. Numa palavra, é um zero à esquerda. Por que, então, ela é vista como um bem tão precioso por determinados setores dentro e fora da universidade?

Porque ela é um símbolo de si mesma.

É o que veremos no post de amanhã.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Leituras de ocasião


Para invadir a Reitoria a botinadas, Zizek. Para a defesa do Estatuto, Kelsen. 

Data maxima venia, que tal doar as folhas do Estatuto a uma peixaria?

Fascistas são vocês!

Assembléia da Letras
17/11/2011


Mate pastor


"Só uma assembléia pode pôr fim às assembléias."

E só o ditador pode pôr fim à ditadura?

Ao invés de bater o pezinho, insistindo na bobagem, por que não jogar limpo? 

Que tal um plebiscito?

O que João Vergílio diria a seus botões


"Ninguém é contra a participação da Universidade no debate nacional, meu caro. Só não entendo por que essa participação deva se dar através da manipulação descarada da vontade coletiva em assembléias, e mediante o emprego de métodos violentos para garantir a implementação daquilo que foi decidido por escandalosas minorias."

P.S.: maiores detalhes, no vídeo que postei logo acima.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Uma nota de ceticismo a respeito do que eu disse


A bandeira dos estudantes não poderia ser mais ridícula. A legitimidade de suas assembléias é nula. Seus órgãos de representação valem tanto quanto uma nota de sete. Seus métodos envolvem uma violência absolutamente antiética, na medida em que partem do pressuposto de que o lado de lá não está autorizado a agir baseado nos mesmos princípios. 

Apesar disso tudo, eles são uma das poucas forças vivas na sociedade civil brasileira de hoje.

Olhe o que está acontecendo na Grécia, meu caro. Olhe o que está acontecendo em toda a Europa. A democracia formal está se dissolvendo. As eleições têm tanto sentido político quanto a escolha da Miss Universo. Tanto faz escolher Fulano ou Sicrano. A política implementada será a do grande capital.

Aqui no Brasil, temos a mesma situação, só que mascarada por dois fatos: a prosperidade econômica e as mudanças efetivas no perfil da sociedade induzidas pelas políticas sociais dos governos petistas. Paralelamente a isso, políticas econômicas ultraconservadoras, das quais o Itaú, por exemplo, certamente não tem do que reclamar. 

Temos a impressão, no Brasil, de ainda estarmos fazendo opções reais quando vamos às urnas. A polaridade entre "tucanos" e "petistas" ainda consegue dar um sentido residual à democracia brasileira. Mas há um mal-estar permanente no fundo de todas as discussões. De algum modo, sentimos que, de Pedro Malan para Antônio Palocci, houve a mais perfeita continuidade e que estamos simplesmente anestesiados pela bonita cena de pessoas humildes finalmente sentando ao nosso lado nos aviões.

E se der errado? E se a crise chegar por aqui com força? Que alternativa será oferecida à sociedade? A "lição de casa" da Miriam Leitão?

Não ria demais dos estudantes, João Vergílio. No final das contas, apesar de todo o ridículo, eles podem estar carregando consigo uma inquietação muito mais profunda do que a mera recusa da Polícia Militar dentro do campus

domingo, 4 de dezembro de 2011

Perguntinhas incômodas


Quantos estudantes saberiam dizer o NOME (só isso) do atual presidente da UNE?

O método de escolha do reitor da Universidade de São Paulo pode ser um completo absurdo (e é mesmo!). Comparado ao método de escolha da presidência da UNE, porém, é uma belezura.

Para reforçar a idéia, proponho um teste de múltipla escolha:

1. Quantas vezes você já ouviu numa assembléia alguém protestar contra os métodos para a escolha do reitor da Universidade de São Paulo?
(a) Que eu me lembre, nunca
(b) Uma vez ou duas, mas já faz tempo
(c) Xi... perdi a conta

2. Quantas vezes você já ouviu numa assembléia alguém protestar contra os métodos para a escolha da diretoria da UNE?
(a) Xi... perdi a conta
(b) Uma vez ou duas, mas já faz tempo
(c) Que eu me lembre, nunca

A título de moral da história, aí vai outra perguntinha incômoda de brinde:

Antes de falar do esfarrapado, não seria aconselhável que o roto desse uma espiadinha no próprio rabicó?

P.S.: Para quem não sabe, o nome do rapaz ali na foto é Daniel Iliescu. 

sábado, 3 de dezembro de 2011

Mitologias. (4) A República Autônoma do Butantã.


Para quem vem da Euzébio Matoso, o contraste é chocante. Avenidas amplas, árvores por toda parte, grandes espaços vazios, prédios baixos, pessoas bem vestidas, nenhum bêbado caído na calçada. É como entrar numa outra cidade, ou num outro país, com seus hospitais, seus estádios, sua arquitetura modernosa, seus restaurantes típicos, suas linhas de ônibus, seus albergues - até sua própria polícia. No centro do território, a sede do poder local.

Como se pode ver, até mesmo o aspecto físico reforça uma certa auto-imagem* da RAB (República Autônoma do Butantã) - a de um enclave dentro do país, com suas próprias regras, costumes e códigos de conduta. É como se cada prédio, cada avenida, cada árvore da República gritasse ao mundo externo - "não se metam em nossos assuntos".
A paisagem humana faria coro aos sonhos republicanos, não fosse por dois inconvenientes - um pequeno, outro um pouco maior. 
Comecemos pelo miúdo. A população da RAB está dividida em castas. (Falamos aqui apenas dos que têm cidadania, e portam documento de identificação. Sobre os outros, falaremos em seguida.) Alunos, professores e funcionários formam compartimentos fechados, incomunicáveis. Cada qual tem suas associações de casta, seus pontos de encontro, seus interesses, sua "identidade social" no interior do enclave. Até mesmo os defensores mais ardorosos dos ideais "democráticos", como veremos, aceitam (por inexorável) a manutenção das barreiras e limites impostos por esse antigo e respeitável sistema. Um estorvo de somenos, como sabemos, facilmente contornável pela instituição do "voto castiço", distribuído pelas três castas de cidadãos.
Os terceirizados representam uma aporrinhação teórica mais séria. Onde inseri-los? Trabalham aqui, mas não "são" daqui. Para facilitar o reconhecimento, vestem-se com um uniforme berrante, para que o cidadão comum não incorra na invonveniência de lhes dizer um "bom dia" por engano. Também são "funcionários", pero no mucho, se me entendem. Se não me entendem, não façam muito esforço, pois a verdade é que isso, na prática, importa muito pouco. O problema, apesar de complicado, é simplesmente teórico, conforme anunciei acima. No frigir dos ovos, ninguém pensa nisso. Houvesse eleições livres dentro da RAB, não votariam, e pronto. Assunto encerrado.
Acomodadas as castas, por meio do voto castiço, e excluídos os "dalits" terceirizados, estaria aberto o caminho para eleições livres, democráticas e soberanas para a presidência da RAB, bem como para seu parlamento, conselho de anciões, ou coisa que o valha. É a velha bandeira de luta da comunidade, lembrada a cada ano nas já tradicionais invasões a botinadas feitas ao Palácio do Interventor nomeado pelo Governo do Estado.
Não vou discutir aqui o mérito da questão. Isso fica para outro post. Hoje, quero apenas lembrar o quanto esse formato "mitológico" da questão impede uma visão clara dos problemas efetivos envolvidos no atual processo de escolha do Reitor e na gestão da gigantesca e complexa estrutura burocrática da Universidade de São Paulo.
Alega-se, por exemplo, que o sistema atual não é "democrático", como se o Reitor da Universidade fosse uma espécie de "Presidente da República" (Autônoma do Butantã ), e o Conselho Universitário devesse se transformar numa espécie de "Parlamento". A defesa das eleições diretas (mas castiças, conforme já ficou dito) para Reitor pode sem dúvida ser feita, e eu mesmo darei em outros posts alguns argumentos nesse sentido. Mas é claro que isso não tem nada a ver com a defesa da "democracia", ou com a defesa de "valores democráticos" em geral. Isso é uma asneira sem tamanho. Alguém pode perfeitamente ser um democrata sem defender por isso eleições diretas para Reitor, para a presidência do Metrô, para a presidência da Petrobrás, ou sei lá o quê. Universidades não são republiquetas instaladas nos arrebaldes das metrópoles - vamos partir daí. São financiadas com dinheiro público, e devem, sim, satisfações à sociedade que as financia. Se há bons argumentos para a eleição do reitor, eles definitivamente não passam pela palavra "democracia".
Outra vítima da "mitologia da RAB" é a gestão. Os problemas específicos associados à gestão da universidade ficam de fora, como se fossem irrelevantes. Ficamos tão obcecados pela idéia de que a Universidade é um país em miniatura, que nos esquecemos de que ela é, antes de mais nada, uma estrutura estatal gigantesca que, como qualquer estrutura desse porte, tem que ser gerida profissionalmente. Tentem por um momento imaginar qualquer um dos reitores que passaram (e passarão) pela Universidade de São Paulo posto no comando de uma padaria de bairro. Seria um desastre, e não seria culpa deles. Quase nenhum professor universitário tem o conhecimento técnico e a experiência profissional necessária para gerir organizações complexas. É óbvio (para mim, pelo menos) que a discussão deveria separar, logo de início, o problema da gestão administrativa da Universidade (que pode perfeitamente ser entregue a técnicos recrutados no mercado) do problema da gestão acadêmica (que, esta sim, pode e deve ser conduzida por um professor que carregue consigo algum tipo de anuência prévia de seus pares).
O que venho chamando aqui (um pouco livremente) de "mitologia" é um esquema conceitual contrabandeado de um âmbito para outro, que acaba trancafiando toda a discussão nos limites de uma metáfora. O problema das mitologias não é apenas que elas sugerem falsas soluções - isso se corrige mais facilmente. Elas sugerem falsas perguntas. Mais ainda, elas nos impedem de fazer as perguntas relevantes em cada caso, levando-nos a perder um tempo imenso com inquietações de natureza puramente simbólica, que não nos levam a nenhum ponto diferente daquele do qual partimos. A única maneira de vencer uma mitologia é denunciando-a, expondo-a à luz do dia. Sua força vem sobretudo do fato de não ser confessada. Visível, ela tem sempre um aspecto um pouco ridículo, infantil, imotivado. Não precisa ser nem sequer ser combatida, pois acaba caindo de madura. Ela se parece com esses personagens de desenho animado que conseguem correr tranquilamente no vazio, até perceberem, de repente, que não têm chão nenhum embaixo dos pés. 

*Venho praticando a desobediência civil em relação à nova reforma ortográfica, conforme terão notado os leitores habituais do blog.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Trailer. A Floresta Encantada.


Até o final da tarde, um seminário sobre o Big Typescript com meus alunos. Depois, mais um post da série "Mitologias".

A greve enquanto símbolo. A Universidade enquanto miniatura. A refração generalizada transformando o campus numa floresta encantada. Os personagens oníricos da grande narrativa mítica. O pé imaginário palmilhando a estrada do desejo, mas dando um tropicão absolutamente real na pedra do mundo externo.

Vudu e revolução


Greves universitárias parecem seguir os preceitos gerais da magia homeopática. Segundo Frazer, o mago utiliza, nesses casos, a chamada "lei da similaridade". Infere que pode produzir qualquer efeito apenas pelo fato de imitá-lo cerimonialmente. Assim, por exemplo, se quero fazer as pessoas acordarem do sono dogmático induzido pela novela das nove, basta encenar uma revolta barulhenta em ponto menor dentro da universidade, catando o assunto que estiver dando sopa no momento.


Revoluções imensas, vocês sabem, nascem às vezes de incidentes triviais... A explicação, diria o mago, é a lei da similaridade. 

Frazer, em seu típico tom preconceituoso, zomba dessa lógica primitiva, dizendo que a magia é um "spurious system of natural law as well as a fallacious guide of conduct; it is a false science as well as an abortive art".

É fácil discordar dele quando pensamos em tribos africanas. Talvez tenha acertado na mosca, entretanto, quanto à magia praticada em certas tribos do Butantã.

Perguntinhas incômodas


Não é razoável pensar que alunos, professores e funcionários estejam divididos a respeito de temas polêmicos?

Com a resposta a esta questão ainda pulsando na memória, tente responder a esta outra:

Não é razoável pensar que a função desempenhada pelas assembléias seja exatamente a de forjar maiorias que não existem?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Por que não?

Seria facílimo encaminhar votações eletrônicas se houvesse disposição de abrir mão do sagrado direito de falar em nome dos outros. A mecânica é simples:

1. A diretoria do centro acadêmico ou da associação de professores elabora uma pauta inicial de discussão.
2. Organiza-se uma semana de discussões presenciais e virtuais simultaneamente às aulas.
3. Ao longo dessa semana, a diretoria recolhe propostas de alteração de pauta, e faz as modificações que julgar necessárias, tendo em vista aprovar a pauta.
4. Põe a pauta em votação, por dois dias seguidos, na Internet. Se a diretoria não conseguir aprovar a pauta, terá que começar as discussões de novo, e criará um impasse. (A diretoria terá, enfim, que fazer força para não "errar a mão", ou ficará desmoralizada.)
5. Aprovada a pauta, marca-se o dia da votação final e tem início mais um processo de discussão, com os pontos da pauta afixados em todo o prédio e amplamente divulgados na Internet. Novamente, reuniões presenciais (simultâneas às aulas) e discussões nos fóruns.
6. Ao longo de dois dias seguidos, a votação virtual é feita, com quorum pré-determinado. Se menos de 70% dos estudantes ou professores votarem, nenhuma decisão QUE ENVOLVA A OUTRA PARTE (como greve) poderá ser tomada.

Qual é o problema?




Crítica da erupção pura

Somente em ocasiões excepcionais (digamos, a cada dez ou quinze anos) a maioria esmagadora dos alunos e professores estará unida em torno de uma causa.

Quando isso acontecer, ninguém cogitará em fazer piquetes de qualquer tipo. Eles serão desnecessários.

Normalmente, estaremos divididos - como estamos hoje. 

Quando isso acontece, é ilegítimo arrancar decisões em assembléias, e depois implementá-las revirando carteiras e invadindo salas de aula.

É simples assim.

Réplica

Fala-se de violência o tempo todo e enxerga-se violência por todo o lado. Aceita-se a violência como um dado, e justifica-se então o uso da violência "libertadora" contra a violência que "oprime" (ou seja, a que se dirige CONTRA eles). Quando confrontados com a possibilidade de uma violência adversa, recuam. "Ah, não. Violência contra assembléias, isso, não."

Convenhamos que assim é fácil. Vocês aceitam usar os instrumentos necessários para paralisar as aulas na marra, temperam a justificação do uso desses instrumentos com umas pitadinhas de Benjamin, Bourdieu e Derrida e, quando são confrontados com a possibilidade de receber o troco na forma de um apitaço que inviabilize suas assembléias, dizem que aí não, aí já não vale, peraí, vamos conversar. Ou bem vocês entram de uma vez na briga e reconhecem ao lado oposto o direito de usar exatamente os mesmos métodos e raciocínios que vocês estão usando, ou então cedem ao apelo de pessoas como eu, que estão pedindo a TODOS que recuem dessa escalada maluca de violência e estabeleçam regras mínimas de convívio dentro da universidade.

"Ah, não fizemos apitaço. Não foi nem mesmo invasão. Foi bate-papo." Sem essa, né? Foi invasão, sim, e tinha a finalidade de forçar a paralização das aulas. Não vamos brincar com as palavras. Eu caracterizei perfeitamente a lógica da ação de vocês. Calculam a menor violência necessária para que a aula não possa ser dada. Vai chegar a hora em que pessoas do outro lado (não eu, certamente) farão o mesmo cálculo que meus colegas estão querendo que vocês façam. É esse o resultado interessante? É essa a grande novidade? É essa a imagem que vocês querem esculpir? É essa a trilha que estão querendo abrir? Notaram a presença de um muro atrás do arbusto? Ou estão embriagados demais para fazer as perguntas relevantes?

Ah, mas eles fazem peguntas tão fundamentais! "Será que a violência não é justificada em determinados casos?" (Espanto no auditório.) Quando a pergunta foi dirigida a mim, não pude deixar de tomá-la num sentido quase pessoal. Será que , no final das contas, sou mesmo um legalista apegando-se ao "coringão" (obrigado, Tiago) do tal "Estado Democrático de Direito"? Olhem, não chego aos pés do Walter Benjamin, mas se querem discutir o que eu penso deveriam tratar de ler direitinho o que escrevo. Leram, por exemplo, o que eu disse sobre a Grécia? Ou só lêem aquilo que lhes interessa? Vou logo avisando. Será difícil arrancar declarações de fé em princípios abstratos da boca de um wittgensteiniano convicto, como eu. Até o assassinato é perfeitamente legítimo em determinadas circunstâncias. Democracia formal não é garantia prévia e absoluta para coisa nenhuma, e legitimidade é um jogo que precisamos ganhar no dia-a-dia - vale para pais e filhos, professores e alunos, patrões e empregados, governantes e governados. Não é necessário acreditar em essências para perceber que assembléias são uma fraude tanto na teoria quanto na prática.

Essencialista, eu? Essencialistas são vocês, que se refugiam na "legitimidade" das assembléias como se ela tivesse sido entregue diretamente por Deus nas mãos da diretoria do CA. Vamos esquecer Walter Benjamin e partir daquilo que está diante dos olhos de todos nós. Pelo menos metade dos alunos e professores desta Universidade NÃO RECONHECEM LEGITIMIDADE EM DECISÕES DE ASSEMBLÉIAS. Pelo menos metade dos alunos e professores desta universidade não vão a assembléias, não porque sejam "alienados", mas porque NÃO ACEITAM MAIS ESSE MÉTODO DE TOMAR DECISÕES COLETIVAS. Deixem de ser presunçosos. Vocês não são mais inteligentes, informados, ou "conscientes" do que essas pessoas que vocês chamam de "maioria silenciosa", achando que elas são simples joguetes inertes nas mãos de uma imprensa tendenciosa. Onde é que vocês estão com a cabeça? Onde é que vocês foram buscar uma autoimagem tão condescendente? O que lhes permite, a seus próprios olhos, estabelecer essa assimetria entre vocês, os iluminados, e o resto da humanidade, que chafurda na ignorância? Fiquem sabendo que, do outro lado, as pessoas pensam , têm opiniões, têm ideais e estão dispostas como vocês a abraçar lutas que não precisam necessariamente coincidir com as lutas que VOCÊS resolveram abraçar. Elas não são alienadas, nem conformistas. Não querem ser MANIPULADAS. Só isso.

É só em função desta crise de legitimidade de seus mecanismos de decisão que vocês têm que invadir salas, fazer apitaços e infâmias do mesmo tipo. Têm que compensar a legitimidade perdida com força bruta, mesmo quando ela vem travestida de um hipócrita pedido para "dar um recadinho para a classe". Recadinho para a classe uma pinóia, seus hipócritas. Estão ali para exercitar a empáfia, o sentimento de superioridade, a arrogância que os leva a se acreditarem uma raça superior, escudando-se em mecanismos de decisão imaginados sob medida para dar à truculência uns ares de respeitabilidade.

Não é a mim que vocês têm que enfrentar, enfim. É a vocês mesmos, e seu credo essencialista. É perfeitamente possível fazer discussões democráticas e submeter propostas à consideração de todos em eleições limpas, de que todos possam participar após um período de reflexão, sem o concurso daquelas pressões típicas de ambientes massificados. Não sou eu o formalista aqui. São VOCÊS. Vocês se apegam a fórmulas gastas, acreditando que a antiguidade as torna legítimas. Vocês se apegam a uma concepção esclerosada de democracia, e vivem dizendo que as coisas sempre foram assim e vão continuar sendo assim, pois é assim que elas devem ser, em nome do Pai, do Fiho, do Espírito Santo, amém. Seus colegas "alienados", "desinformados", "conformistas" estão querendo renovação, arejamento, ampliação de horizontes. São vocês que se trancaram num universo mitológico do século passado e pretendem impor pela força essa religião desbotada e CHATA ao resto da humanidade. Me poupem...

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Contraponto (2)

Foi postada no Facebook uma carta aberta de autoria de ANDRÉ PAES LEME, em resposta à minha. Resolvi publicá-lo em destaque porque é muito bem articulado, e toca em aspectos fundamentais da questão.

O post imediatamente posterior contém a minha resposta. 

Discordo de TUDO que o  André está dizendo, conforme vocês verão. Mas não posso deixar de reconhecer a qualidade de seu texto e, acima de tudo, a coragem e honestidade intelectual que estão por trás de sua tecetura.


“Por mais paradoxal que possa parecer à primeira vista, até mesmo um comportamento assumido no exercício de um direito [DE GREVE] deve, sob determinadas circunstâncias, ser considerado [pelo Estado] uma violência.” (Walter Benjamin)

É assim que Benjamin caracteriza o exercício do direito de greve, concedido pelo Estado, porém caracterizado como arbitrário e violento, quando, por assim dizer, GENERALIZA-SE. O ensaio do autor ressalta o caráter transitório sobre o qual repousa qualquer direito que, em ato, possa vir a confrontar o ordenamento de direito que o promulga. Geralmente, nesses casos, o Estado - e seus apologetas - o classificam como VIOLÊNCIA. O contexto analisado por Benjamin remete à greve operária. Acreditamos, porém, que seus conceitos possam oferecer alguma luz para melhor visualizarmos situações tais como as greves estudantis.

Trata-se aqui de discutir algumas das implicações dessa caracterização feita por Benjamin no âmbito estrito da greve em curso dos estudantes da USP, mais especificamente, dos estudantes de FILOSOFIA. Propomos então uma reflexão sobre os últimos episódios ocorridos no depto. e as reações que acabaram desencadeando.

O professor João Vergílio acusa os estudantes de filosofia, em greve, de se utilizarem de violência, ou melhor, de um certo “cálculo” da violência, para interromperem suas aulas. Para isso, baseia-se no direito constituído que o garante ministrá-las e, aos demais estudantes, assisti-las. Diz ele: “Um professor ou aluno que entra em sala de aula contrariando decisões de uma assembleia [...] Sente que está simplesmente exercendo seu direito de ir e vir, pois não atribui nenhum valor às decisões tomadas pelos colegas.” É uma pena não haver espaço
aqui para analisar, com o necessário cuidado, a tendência notoriamente presente nos setores conservadores mais ligeiros, dos quais boa parte dos editoriais de mídia impressa e os programas televisivos de temática policial são um exemplo flagrante, de utilizarem-se do direito constitucional de ir e vir para operar a desqualificação de todo tipo de conflito social que se faça visível por meio de manifestações, passeatas, greves, etc... Mas, para além disso, já que o Profº raciocina no sentido de legitimar a ocorrência de suas aulas a partir do princípio da legalidade que defenderia tanto quem as ministra quanto quem as assiste, talvez fosse o caso de nos perguntarmos a que violência ele se refere. Segundo Freud: "É um erro de cálculo [seria esse o cálculo que o Profº nos atribui?] não considerar que o direito em sua origem foi VIOLÊNCIA BRUTA e que ainda hoje não pode prescindir do apoio da VIOLÊNCIA."

Isso significa que há uma permanente tensão que perpassa todo e qualquer ordenamento jurídico, isto é, a tensão entre direito e justiça. A ideia de justiça nunca se esgota em suas representações jurídicas e nas instituições de direito que a ela buscam se ajustar. Não pretendemos com essa constatação, no entanto, estabelecer um relativismo que autorize o uso indiscriminado da violência (de qualquer espécie), o que seria insensato. Reconhecemos que é impensável uma ideia de justiça que não incorra em um direito, em um estabelecimento da legalidade, em larga medida, que não se mova a partir de um Estado constituído. Mas não podemos deixar também de reconhecer, juntos de Jacques Derrida, por exemplo, que “aquilo que pretende ter força de lei inscreve, portanto, o apelo à força no próprio conceito de sua autoridade. O risco de tirania não espera mais, ele espreita na origem da lei”. Assim, pretendemos mostrar que, a contrapelo do que sustenta o profº João Vergílio, em sua enxurrada de textos dos últimos dias, a interrupção de aulas não
é um ato que caiba na oposição Violência X Direito (oposição largamente problemática), pois tratam-se ambos, grosso modo, de momentos distintos de um mesmo ato, sendo a violência a porta pela qual o direito se instala e, mais tarde, a arma pela qual ele se defende. Podemos inferir que a própria estrutura da sala de aula, amparada pela legalidade do direito, é um dos espaços, por excelência, para a ação livre da VIOLÊNCIA SIMBÓLICA imposta pela ordem constituída. A violência que constitui o direito persiste, mas de maneira velada. No correr de uma relação pedagógica professor e aluno podem não ser diretamente violentados por atos ou palavras, mas o background, os valores impressos no aprendizado e a primazia discursiva são de quem? A relação exercida é sim uma relação de poder em que o mais forte se impõe sobre o mais fraco, através de uma forma de violência, que, por não ser problematizada, cristaliza-se como um dado, um fato inevitável. Daí decorre que se afirme, contra um cadeiraço, que a sala de aula é o “lugar natural” das carteiras, ou que o “conhecimento” se cale na ausência de aulas. Concordamos que a sala de aula é sim o espaço das carteiras, mas a própria diagramação espacial dela é fruto de uma violência simbólica, ao menos, tanto quanto o ato de retirá-las da sala.

Gostaria também de ressaltar que as “ações grevistas” dos estudantes de Filosofia foram pautadas desde o início pelo diálogo e o respeito a professores e estudantes de posições contrárias e/ou indiferentes à greve. Assim, apenas ontem fora utilizado o cadeiraço como forma de interrupção das aulas (Um erro na opinião de quem aqui escreve, mas tem a clara percepção de que condená-lo a partir da exaltação do direito incorre em uma forma cínica de “fazer cumprir a lei”, a despeito da natureza política do conflito). Nossos piquetes tem
sido pautados pelo diálogo e pelo respeito a posição de professores e demais estudantes.

Trata-se da entrada (e não invasão, como diz o Profº João Vergílio) de um pequeno grupo de alunos em sala de aula, para a proposição de um debate sobre a situação política enfrentada pela universidade e para que seja reforçado o informe de que a Assembleia dos Estudantes de Filosofia deliberou por greve. Foi apenas isso o que ocorreu na aula de 21/11 e que tanto indignou o Profº João Vergílio. Talvez, tendo se sentido ameaçado pela ruptura do monopólio discursivo, prerrogativa sua em sala de aula, o Profº tenha se sentido vítima do que denominou: “uma violência mínima”. Cremos que haja uma diferença qualitativa entre um chamado ao debate, ou seja, o que foi feito durante a aula de 21/11 e a prática de cadeiraços e demais piquetes, que, apesar de válidos, são utilizados apenas quando se configura a impossiblidade de se levar adiante a discussão por conta de uma recusa docente, a qual, como sabemos, tem sim natureza política. Ainda que ambos (“discussão” e “piquete”) tenham a finalidade de interromper a atividade (aula) em curso, no primeiro caso, salta aos olhos um convite ao livre pensar, à reflexão para além das paredes da sala de aula, um verdadeiro convite à própria filosofia. O fato de o Profº João Vergílio ter se retirado bastante irritado, talvez mostre que, para ele, a filosofia tenha de contar sempre com a mediação das salas de aula para exercer seu papel crítico frente a realidade, não apenas da universidade, mas do mundo.

Dessa feita, se alguma violência fora cometida em sua aula, no dia 21/11, coisa com a qual não assentimos, fora aquela que Gilles Deleuze denominou, em um outro contexto, a violência do pensamento, isto é, o acontecimento que força a PENSAR. 

No que concerne aos ataques, a nosso ver, preconceituosos e ideologicamente inclinados que o Profº desfere contra as assembleias, na ausência de espaços melhores e mais eficazes, o local de deliberação soberana dos estudantes de filosofia, só nos resta lamentar que, ao invés de comparecerem a elas e comprovarem como são um espaço aberto às mais diversas opiniões e tendências políticas, haja não apenas estudantes, mas professores que prefiram alimentar preconceitos de tal ordem. Rechaçamos a “incitação lúdica” que o Profº João Vergílio vem realizando em seus textos ao boicote às assembleias em geral, não apenas pela vileza que domina essa atitude, que visa, no limite, o esvaziamento dos poucos canais institucionais de discussão discente atualmente disponíveis, mas, sobretudo, pela irracionalidade do argumento. Haja vista que não faria o menor sentido trabalhar pelo impedimento de uma assembleia de curso que se encontra aberta para acatar a posição de todos (que o Profº prove não ser esse o caso da Assembleia dos Estudantes de Filosofia), inclusive dos que são contrários ao seu estabelecimento. Por outro lado, a nosso ver, trata-se de uma discussão delicada e importante a revisão de certos modelos de deliberação conjunta. Recebemos com atenção as indicações fornecidas pelo Profº a respeito da ampliação da possiblidade de discussão e voto, através da utilização de novos meios de interação, como a Internet. Acreditamos que essa discussão deva estar na ordem do dia do Movimento Estudantil para que ele se torne mais legítimo a cada dia. Não concordamos, contudo, que o modelo de assembleia atual incorra, no mais das vezes, em “pura manipulação ideológica”, como foi dito. Pelo contrário, ressaltamos que as deliberações de uma assembleia, como a dos estudantes de filosofia, cujo caráter é de DEMOCRACIA DIRETA E PARTICIPATIVA merece respeito mesmo da parte daqueles que, por princípio, a recusam. No mais, reforçamos o convite a todos os estudantes que, apesar de nunca terem frequentado as assembleias, afirmam não se sentirem representados pelas deliberações conjuntas, para que compareçam e colaborem na discussão sobre a greve que se encontra em curso e sobre os próximos passos do movimento, sobretudo, para o o fortalecimento de um debate acerca da remodelação das instâncias decisórias.

Pausa

Passarei o dia trancado num congresso. Novos posts, só à noite. Até lá.

Da série "A Imaginação no Poder"

Um baile de iê-iê-iê no espaço dos estudantes. A caráter. Em homenagem aos atuais ocupantes.



terça-feira, 29 de novembro de 2011

Contraponto

Nosso colega Flávio Pereira mandou-nos uma defesa articulada da posição daqueles que apóiam a greve. Achei interessante publicá-la como post, sem fazer alteração nenhuma no texto original. É importante termos acesso simultâneo aos dois pontos de vista, para compará-los. 

O cadeiraço simboliza que as aulas não se restringem as salas, mas fora dela onde ocorrem fatos correlatos com a sala de aula. Então, nesse momento do cadeiraço, a aula ocorre em outro lugar e com outro tema. O tema é o que é publico e privado na universidade? Por que o reitor escolheu a PM e não outras medidas? Por que o Conselho Universitário tem essa organização? Podemos mudar essa organização? O que é republicanismo? O que é democracia? Esses são alguns dos novos temas.

No entanto, frente a essas questões e outras que ultrapassam a universidade, a maioria silenciosa não age, não vai na assembleia, não faz nada além de ir as aulas. Só a aula. É isso que importa. Quando os alunos mobilizados agem em desacordo com esse cotidiano, então, eles falam e gritam por todos os lados que seus direitos estão sendo violados por esses alunos. Porém, essa maioria esquece como os seus queridos direitos foram conquistados. Foi com muita luta e essa luta atrapalhou muita gente. Além disso, a greve de 2007 garantiu professores para essa maioria silenciosa ter aula hoje. E essa greve também incomodou demais a maioria silenciosa. O que a maioria silenciosa quer? Quer direito sem lutar? Há na história uma mobilização por direitos feita por petição eletrônica? São a regra ou a exceção? 

Então, questiono-me: por exemplo, se identifico o problema da falta de professores e faço uma greve em cima desse problema. Se eu ganhar a luta, teremos professores. Além do mais, não será eu o único a assistir à aula. Não farei uma lista de quem pode assistir às aulas baseado nas suas ações políticas do passado. Se quiser, é só assistir à aula. Isso não justificaria meus atos políticos?Por quê? Será porque incomodo a maioria, mas ela desfrutará dos ganhos da luta. Por favor, não coloquem aqui aquela ideia: “então pode matar!” Pois, essa atitude é rara na ação política estudantil. Bater em professor, agredir aluno é exceção. Quem faz isso é um idiota.

Nesse quadro, a maioria sinaliza para a reitoria fazer o que quiser, pois, não aquela fará nada. Pode privatizar a universidade, pois ela já estudou nela mesmo. Já fez a pós-graduação e tudo que tinha direito. E os outros cidadãos? Se eles não tiverem como pagar, não estudaram? Essa maioria não estaria restringindo o direito dos outros estudarem numa universidade pública? Isso não é cadeiraço simbólico na vida dos nossos concidadãos? 

Quando posso agir? Posso agir em vista do interesse particular, interesse corporativista ou interesse público? 

Da série "Se eles podem, eu também posso"

Intervir "fisicamente" no momento das votações em assembléias com apitos, buzinas e gritos de guerra. Não permitir que as propostas sejam lidas. Jamais se importar nessa hora com o fato de ser minoria no ambiente. O importante é estar certo.

Método também conhecido como "tome lá uma colherada do xarope que você me deu".

Mitologias. (3) O cadeiraço.

Engana-se quem pensa que as carteiras empilhadas nos corredores estejam apenas desempenhando uma função de ordem prática. Não foram postas ali apenas para inviabilizar fisicamente aulas que, não fosse por esse tipo de violência, estariam acontecendo normalmente. Elas têm um caráter simbólico. Têm que ser lidas, e lidas em voz alta, pois, em sua linguagem silenciosa, estão o tempo todo dirigindo-se aos passantes, sem que ninguém as conteste. 

É preciso ouvi-las. E dar-lhes a devida resposta.

Deslocadas de seu lugar natural, apontam insistentemente para a sala de aula. É sobre ela que estão falando.  É dela que apresentam, exiladas, um retrato negativo: o que a sala já não tem, o que a sala já não pode, o que a sala já não é. 

Espremendo-se, claustrofóbicas, elas nos contam de um espaço finalmente oco, finalmente livre, onde o ar já pode enfim circular. Uma sala renovada pelo vazio, pronta para um novo uso. Ou, menos que isso: pronta para não ter  uso nenhum. A Universidade, agora, é aqui. Visitas à velha senhora, só mesmo pelo postigo. Suspeita. Louca. Prisioneira. 

De pernas para o ar, elas dizem que um mundo antigo ruiu. Não foi desastre natural, logo se vê. Foi gesto humano. Cada carteira traz consigo a sombra da vontade que a dirigiu, do braço que a carregou. Uma ordem se impôs pela força, e exige nosso respeito. O mesmo braço continua disponível nas redondezas. A mesma vontade continua pulsando por toda parte. 

De pernas para o ar, atestam a própria morte. Às centenas, como insetos. "Os que vão viver te saúdam." 

Embaralhadas, anárquicas, vão dizendo ao visitante que uma nova ordem se instalou. Procure onde não houver fileiras. Procure onde não houver lugares determinados. Procure onde não houver oposição entre quem ensina e quem aprende. (Ah, essa arte de mentir melifluamente... Com o tacape sempre à mão, é claro. Sacumé... Just in case.)

"Uma subversão apenas temporária", disse um colega. Que o seja. Mas o que esta cena temporária está nos dizendo, afinal? Que, quando a política chega, o conhecimento se cala. Que, quando a palavra não chega, a força bruta é quem fala. 

É essa lógica perversa que está por trás da farsa das votações em assembléia, dos piquetes, das pequenas violências consentidas em nome de um ideal maior. Talvez exibida assim, sem maquilagem, essa mitologia ainda conserve algum poder de encantamento. As pessoas que se encantam com ela, no entanto, devem deixar de ser hipócritas e reconhecer que, ao fim e ao cabo, o brucutu que atacou o professor Marcelo Barra não estava fazendo outra coisa senão levar às últimas conseqüências os princípios que elas mesmas inscrevem em cada um dos símbolos que espalham pelo mundo.  


Depois, quando a polícia chega, fazem carinha de dodói. Tá bom, santa!

Corolários da violência mínima

Minha total solidariedade ao professor Marcelo Barra, agredido físicamente ontem no prédio da Letras por um brucutu que deveria estar dentro de uma jaula, e não na Universidade de São Paulo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Da série "A Imaginação no Poder"

Uma invasão do prédio da UNE, no Rio de Janeiro, impedindo a diretoria de entrar nele.

Trailer

Por que a política não pode se ACRESCENTAR às aulas? Porque tem que tomar o lugar delas? Que sentido tem esse ritual de anular o espaço acadêmico para que o espaço político surja em seu lugar? Por que essa simbologia é tão forte para todos nós?

No post de amanhã, vamos pensar juntos a respeito dessas questões.

Mitologias. (2) A polícia.

     Os fatos são o de menos neste imbroglio todo, pois é no nível dos sonhos que a verdadeira narrativa se articula. Tendo em vista superá-las, registrarei brevemente duas considerações fatuais antagônicas, para depois passar ao antagonismo imaginário, que realmente importa.

     Pour. O campus é imenso, mal iluminado, cheio de esconderijos naturais e rotas de fuga seguras. Prato cheio para bandidos. A Guarda Universitária não tem poder dissuasório, pois não anda armada. Não tem nenhuma capacidade de ação imediata. Pode, no máximo, chamar a polícia (coisa que, convenhamos, eu ou você também poderíamos fazer). Ninguém duvida da necessidade de se iluminar melhor o campus. Duvida-se da suficiência dessa medida. Mesmo que o campus fosse tão bem iluminado quanto um estádio de futebol, continuaria imenso, cheio de esconderijos naturais e rotas seguras de fuga -  um prato cheio para bandidos.

     Contre. A PM é truculenta e mal treinada. Ao invés de resolver o problema de segurança no campus, ela cria um problema novo, conforme vimos no episódio que desencadeou esta revolta. Que critérios serão utilizados para decidir quem será submetido à humilhação de uma revista? Buscarão, entre os alunos, feições esteriotipadamente associadas àquelas que eles enfrentam em combates de rua? Quem nos garante que o policiamento ostensivo não será simplesmente  a ocasião para pequenas (e grandes) vinganças?

     Não é que eu não tenha lado neste debate fatual. Tenho. Acredito poder demolir cada uma das considerações contrárias à presença da PM no campus lembrando que todas elas serviriam igualmente bem para combater a presença da PM em qualquer outro lugar da cidade. Se a PM tem falhas (e tem), elas certamente não serão resolvidas mediante sua exclusão do campus da USP. Ou meu oponente aceita ir até o fim, e luta pela imediata extinção de todas forças de segurança, ou fica a me dever um argumento provando que o campus é um lugar "especial" em algum sentido, por algum motivo. 

     Acontece, porém, que existe uma outra PM, cuja finalidade não é propriamente combater criminosos, mas sim forjar identidades. A necessidade é visível a olho nu, boiando na superfície dos fatos. 

     O cartaz à frente da passeata na av. Paulista, por exemplo, mencionava 73 "presos políticos". Um deles, escarrapachado num banco do ônibus que conduzia os "heróis da resistência" à delegacia, posou para a foto fazendo o vê da vitória. Macaqueava o gesto de um preso da ditadura militar no momento do embarque para o exílio. Houve relatos de tortura. Uma aluna teria sido molestada sexualmente por vários soldados. Um aluno exibia um dedo machucado. Acho que vi um hematoma nas costas de alguém - posso estar enganado.

     Sem a PM, essa encenação identitária não estaria completa. É necessário, por isso, desconfiar de palavras de ordem como "Fora, PM!". Bem ouvidas, elas podem significar exatamente o contrário do que estão dizendo. "Venha, PM! Precisamos de vocês! Precisamos desse confronto! Precisamos dessa identidade!" Era fácil ouvir esse chamamento durante toda a passeata pela avenida Paulista. Era fácil perceber a frustração geral diante da passividade absurda daqueles policiais. "Bando de bundões..."

     É fácil rir dessa busca de identidade num passado que eles não viveram, mas tentam trazer de volta ao tempo por meio de rituais incompreensíveis para o cidadão comum. (Minha avó, que não bebia, pondo o vinho na mesa para atrair o espírito do falecido esposo.) Mais difícil e mais necessário, porém, é compreender a inquietação que está por trás dessas manifestações canhestras - uma inquietação que tem, a meu ver, uma dimensão perfeitamente legítima, que está latente em cada um de nós.

     Vejam o que acontece na Grécia, por exemplo. Haverá eleições formalmente livres e democráticas daqui a algumas semanas. Os dois principais partidos, no entanto, comprometeram-se previamente com a manutenção do plano de "recuperação" do país elaborado pelas principais potências da Europa. Ou seja, o principal tema da vida nacional já está decidido , independentemente do que disserem as urnas. O eleitor será chamado única e exclusivamente para escolher quem irá implementar o arrocho - quem será, enfim, o Judas de plantão no próximo Sábado de Aleluia. Vejam o que acontece em Portugal. Vejam o que acontece na Espanha. Vejam o que acontecerá na Itália, assim que os italianos perceberem que os contrastes entre o atual primeiro-ministro e Berlusconi esgotam-se no nível das boas maneiras. Vejam o que acontece nos EUA, que elegeram a mudança para conviver com a mesmidade. A democracia representativa se esgotou, colonizada pelo capital financeiro, e passa por uma gigantesca crise de legitimidade. As pessoas saem às ruas para enfrentar a polícia porque sentem que estão sozinhas. E estão, mesmo. No que depender de seus representantes, elas podem ir à breca. Não são os eleitores, afinal, que financiam campanhas eleitorais e distribuem propinas. São os bancos e as grandes empresas.

     Para quem assiste a tudo isso do Brasil, a sensação é um pouco enlouquecedora, porque o país vai bem demais, obrigado. Ninguém está tendo sua aposentadoria cortada, o nível de emprego e de salário, se não é bom, está muito melhor do que já foi e parece melhorar a cada dia. Para "piorar" as coisas, a esquerda está no poder, e não há perspectiva de que saia de lá se não for tangida por uma crise. Vai-se reclamar de quê? Junto com quem?

     É nesse contexto que surge o movimento estudantil da USP, como se fosse um ator em busca de um personagem. Na ausência de inimigos compartilhados com o resto da sociedade, fecharam-se no interior dos muros e problemas da Universidade, como se não existisse vida do outro lado do rio Pinheiros. Elegeram um inimigo imaginário (a PM, minha Virgem Santa... A PM!!!), exumaram mitos, rituais e costumes de 40 anos atrás e passaram a protagonizar espetáculos patéticos como aquela marcha pela Avenida Paulista, no horário de pico, pedindo a libertação de "presos políticos". A faxineira chegou espumando de raiva no dia seguinte. Quase uma hora em pé num ônibus parado, depois de ter, imagine o senhor, trabalhado que nem burro de carga o dia todo. "Seus alunos não têm mais o que fazer, não?"

     Para variar um pouquinho, estamos mimetizando a forma daquilo que nos chega de fora, sem nos importarmos com a inserção que isso tem em nosso contexto. É a nossa velha incapacidade de olharmos para o espelho, ao invés de ficarmos babando em cima de um cartão postal. 

     Ou essa moçada desce do sonho e troca essa revolta em miúdos, ou é melhor mesmo que acendam um baseado e fiquem curtindo sua viagem em paz.

domingo, 27 de novembro de 2011

Não falam, mas percebem

O blog teve mais de 500 acessos no primeiro dia, mais de 600 no segundo, e agora, 15:25 de um domingo, já conta mais de 300 visitas.

Vão me dizer que o problema não é real? 


Da série "A Imaginação no Poder"

E se, ao invés de paralisar as aulas durante a semana ou a Avenida Paulista no horário de pico, estudantes e professores invadissem a Praça da Sé num domingo pela manhã para uma série de aulas simultâneas ao ar livre?

Mitologias. (1) A escolha do reitor.

     Já fui contra eleições diretas para Reitor. O cerne do argumento que eu herdei era o seguinte. O Reitor não deve ser visto como um representante de alunos, funcionários e professores - ele não é uma espécie de chefe supremo das associações de categoria, costurando pelo alto as representações parciais da Adusp, da Asusp e do DCE. Ele é gestor de um órgão público e, enquanto tal, deve satisfações antes de mais nada ao contribuinte, que paga as contas da Universidade. É justo, portanto, que o Governador, que representa a população, tenha a última palavra nessa escolha.

     Do outro lado dessa oposição pré-existente, que delimita rigidamente os termos do debate, temos os argumentos pela "autonomia universitária". A Universidade não deve ser vista como  extensão do Estado, prestando obediência ao governante de plantão. Ela só pode cumprir bem o seu papel se for autônoma. Só assim ela será capaz de justificar o investimento feito nela com dinheiro do contribuinte. O Governador não tem nada que meter o bedelho, portanto, nos assuntos internos da Universidade de São Paulo, a começar pela escolha de seu dirigente máximo. Ele deve ser eleito diretamente por alunos, funcionários e professores.

     Contra o pano de fundo desta antinomia, duas representações simbólicas da universidade se definem. 

      A primeira está impregnada pela idéia de Empresa. A universidade deve ser "gerida" de forma eficiente, pois recebe "recursos" da sociedade e deve lhe dar em troca determinados "bens" e "serviços".

    A segunda está impregnada pela idéia de Estado. A universidade deve ser "governada" por um "representante" eleito com o auxílio de uma espécie de parlamento (o Conselho Universitário), e deve ser "autônoma" em suas relações com o Estado mais ou menos como o próprio Estado é autônomo em suas decisões. 

     Duas metáforas involuntárias, como se vê. Não são conclusões de um raciocínio, mas o lugar no interior do qual os raciocínios são construídos. São duas figuras (eu quase diria - "dois ídolos") sobre as quais projetamos toda a carga emocional associada nos últimos trinta anos à oposição entre Empresa e Estado. Mais ou menos como alguém poderia odiar uma pessoa que se tornasse o símbolo de seu próprio pai. Um caso para psicanalistas.

     Essas idolatrias mutuamente incompatíveis nos condenam a uma visão originariamente parcial e a um diálogo de surdos. Cada participante do debate está falando de seu próprio ídolo. 

     O diálogo só terá início quando abdicarmos dessa simbologia redutora e emocionalmente explosiva. Nossa primeira tarefa, portanto, é implodir essa mitologia, para que a universidade-instituição (e não a universidade-símbolo) comece a ser discutida.

                                            
     Alguns esboços para discussões futuras:

     1. É indiscutível que o sistema vigente para eleição do reitor é completamente absurdo. Se a escolha fosse feita num jogo de bingo, ela seria mais racional. Rodas é provavelmente o último reitor "eleito" por lista tríplice. Uma nova "eleição" conduzida nos mesmos moldes transformaria a USP numa praça de guerra.

    2. Nunca, em nenhum momento, depois do processo de redemocratização, a autonomia de pesquisa e docência da Universidade foi ferida. O docente que disser o contrário disso está mentindo. Na Universidade de São Paulo, cada docente ensina o que quer, pesquisa como acha melhor, e se financia junto às agências de forma absolutamente autônoma. O sistema (repito - absurdo) de escolha do reitor não tem absolutamente nada a ver com a autonomia de pesquisa e docência. 

    3. Uma universidade (principalmente quando ela possui o tamanho da USP) tem, sim, que ser gerida, e bem. Nenhum dos professores que ocuparam a Reitoria até hoje teria competência para gerir uma padaria. Não foram treinados para isso. Não têm a vocação nem o conhecimento necessários para tanto. Isso não mudaria com as eleições diretas. O sistema de escolha do reitor não tem absolutamente nada a ver com capacidade de gestão de orçamentos bilionários e burocracias gigantescas. 

    4. É preciso separar a gestão administrativa da gestão acadêmica da Universidade. A primeira deve ser entregue a gestores profissionais com experiência no ramo. A segunda, a um Conselho Universitário composto apenas por professores, mas eleito pela comunidade (com pesos diferentes para cada categoria). O reitor seria apenas o presidente desse Conselho. 

sábado, 26 de novembro de 2011

Saudade: torrente de paixão

     É paradoxal que um professor diga isso, eu sei, mas debates presenciais têm a capacidade de me deixar catatônico. Não fosse pela taquicardia, pelo suor frio e pelo mais completo e absoluto terror, a sensação poderia muito bem ser a do Nirvana. Meu pensamento fica flutuando num vazio sem limites. Abandonada na superfície de uma semântica liquefeita, a sintaxe logo vai a pique, e a memória vira um depósito de ferro-velho, onde tento em vão encontrar aquele pedacinho de raciocínio que fiquei repetindo para mim mesmo desde o começo do debate. Um inferno.

     Por outro lado, adoro assistir a debates. Acho que tenho em relação a eles o mesmo sentimento um pouco mesquinho daquele fracote que não perde uma só luta da UFC. Sempre tive uma admiração irrestrita por quem sabe pelejar assim - olho no olho - em busca da aprovação da arquibancada. Não me refiro nem mesmo à maestria dos que acrescentaram uma técnica apurada aos dons que já carregavam consigo. Eu me contentaria com bem menos. Quem me dera, por exemplo, ser capaz de levantar uma questão de ordem numa assembléia de professores! Ou, ainda menos - uma insignificante questão de esclarecimento. "Gostaria de saber, senhor presidente, se já estamos em regime de votação." Ah, que delícia! Falar isso com perfeita naturalidade, sem ficar prestando atenção ao som da própria voz, e sem ler nas expressões circundantes gargalhadas prester a explodir na minha cara - falar, simplesmente, como quem pede um refrigerante ao garçom. 

     Mas, não reclamo. Aqui, atrás do meu teclado, consigo me virar mais ou menos bem. Às vezes, acerto a mão. Às vezes, erro. Mas, pelo menos, consigo entrar no jogo. Dizer o que penso. Controlar o que sinto. Dar às minhas palavras a entonação que eu desejo que elas tenham. Estruturar meu pensamento numa direção determinada. Consigo, enfim, contribuir para um debate a que, de outro modo, eu estaria condenado a simplesmente assistir. 

     Nada contra, eu repito, discussões presenciais. Nada contra discussões em geral - em bares, salas de aula, auditórios lotados, cozinhas, quartos, varandas, pelo telefone, pelo twitter, por e-mail, como quer que seja. Quanto mais discussões, melhor. Darei palpite numas, assistirei a outras, como todo mundo. Que todas as discussões sejam feitas, pois a Universidade de São Paulo precisa de discussão. Ninguém aguenta mais esse silêncio estridente dos corredores. Longe de mim, portanto, ser contra discussões de qualquer tipo, em qualquer medida. Meu ponto é completamente outro. 

     Sou contra a picaretagem do voto em assembléia. É preciso acabar de vez com essa farsa, para a qual não existe mais nenhuma justificativa. Votações podem perfeitamente ser feitas ao longo de todo um final de semana em urnas eletrônicas, após uma deliberação cuidadosa dos pontos a serem decididos. Os argumentos contrários são ridiculamente frágeis, e escondem, na verdade, uma só coisa: a vontade que determinados grupos têm de colonizar os movimentos sociais. Por que a esquerda não pode inovar nesse ponto? Por que não apostar de fato na coletividade, ao invés de desconfiar dela? Por que entregar essa bandeira de graça ao outro lado? Por que não entusiasmar a Universidade com um discurso novo, ao invés de ficar grudada à simbologia caduca da década de 60? Por que não imitar a década de 60 naquilo que ela teve de melhor, que foi justamente a capacidade de não imitar ninguém?

    Inúmeras pessoas dentro da Universidade não reconhecem mais nenhuma legitimidade em decisões coletivas tomadas em assembléias. Esse é o nó da questão, que precisa ser enfrentado. Enquanto isso não acontecer, os piquetes - em si mesmos odiosos - estarão simplesmente ocupando com uma nota de violência o lugar dessa impressionante falta de originalidade que parece ter infestado toda uma geração.

A Esfinge

Ontem, um amigo me ofereceu uma interessante versão da História Imaginária do Grande Conflito.

Rodas e Alckmin, de comum acordo, teriam ordenado ao chefe da PM que enviasse soldados ao pátio História (por um triz não escrevo “Pátio da História”) para prender usuários de maconha escolhidos ao acaso. Acintosamente, numa clara provocação aos estudantes. Haveria, é óbvio, a reação que houve. O impasse seria criado, a Reitoria, invadida, a tropa de choque, chamada, e a mídia, fiel parceira, faria o restante do trabalhinho sujo. Os estudantes apareceriam como bandidos, encapuzados, enquanto Rodas e Alckmin posariam de mocinhos para os fotógrafos. Um plano perfeito, que infelizmente estaria dando certo


   A narrativa da Origem  agora, do outro lado.

     Partidos extremistas mancomunados teriam enviado dois agentes para fumar maconha nas fuças da polícia. Acintosamente, numa clara provocação. Haveria, é óbvio, a reação que houve. O impasse seria criado, a Reitoria, invadida, a tropa de choque, chamada, e uma greve de final de ano decidida a toque de caixa nas assembléias de praxe. O objetivo? Adiar as eleições para o DCE, diante da perspectiva de vitória de uma chapa de direita. Um plano perfeito, que infelizmente estaria dando certo.

     Harmoniosa especularidade.

     No nível dos fatos, verdades mixas. Fiapos fatuais. É óbvio que Rodas e Alckmin capitalizaram os incidentes posando de heróis. É óbvio que a esquerda capitalizou o episódio adiando as eleições para o DCE. Neste caso, porém, as verdades são menos interessantes que as mentiras. Reparem como o Inimigo é visto, dos dois lados, como uma espécie de “senhor de todos os destinos”, capaz de manipular a História a seu talante. Cada uma das partes se vê como personagem de um enredo um pouco mágico, urdido alhures, nas altas esferas (ou fundos subterrâneos) do Grande Mal.

     Esse embate de mitologias parece indicar que o nó da questão não está dado no nível dos fatos. Há uma guerra de símbolos em curso. Uma guerra de valores.

     O Reitor é um símbolo. A PM é um símbolo. Até mesmo a Aula é um símbolo.

     Símbolos de quê?