quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A greve como farsa. (2) O Generoso Pavio.



Lá pelas tantas, um ministro da ditadura resolveu justificar a censura prévia dizendo que alguns textos, embora não fossem diretamente subversivos, ofereciam à subversão um "generoso pavio". O Pasquim, aproveitando-se dos ecos sexuais presentes na expressão, deitou e rolou, produzindo variações infindáveis e engraçadíssimas sobre o tema. Quarenta anos depois, vejo a doutrina ressurgir como uma espécie de pano de fundo de certos discursos a respeito das greves estudantis.

Segundo essa narrativa, o principal mérito de uma greve estudantil não está naquilo que ela reivindica, mas no modo como o faz. Pouco importa o que se peça - importa apenas a forma geral da reivindicação, o elemento de ruptura que a greve introduz no cotidiano bovino de uma sociedade anestesiada pelo conformismo. A greve de estudantes ainda não é a explosão revolucionária de nossos sonhos, mas já é, pelo menos, um generosíssimo pavio. Grandes eventos na história da humanidade nasceram de incidentes aparentemente banais, lembram eles. A Primeira Guerra, de um assassinato. O movimento negro, de um incidente dentro de um ônibus. A Guerra de Tróia, do rapto de uma gostosona. Sabe-se lá o que pode acontecer a partir de uma invasão de Reitoria...

Os comunistas do meu tempo podiam ser alucinados, mas tinham um discurso fechadinho, coerente, cheio de respostas para tudo. "De onde virão as armas?" Eles respondiam. "Qual é o seu modelo de sociedade?" A China. Cuba. A URSS. A Albânia. Cada um tinha o seu. "Como chegaremos lá?" Assim. Assado. "Devemos participar do processo eleitoral burguês?" Sim. Não. Por este motivo. Por aquele. Havia uma "narrativa revolucionária" na boca de cada um. Costumava ser completamente maluca, é verdade. Mas pelo menos existia. A conversa não travava na primeira perguntinha inconveniente do interlocutor.

Agora, experimente você mesmo(a). Faça uma dessas perguntas a qualquer um deles. O efeito será semelhante ao provocado pelo sal no corpo da minhoca: contorcionismos verbais que não apontam para lugar nenhum. É o revolucionário "vamo-que-vamo". O comunista "um, dois, três, já!". "É somente na caminhada que o caminhante descobre o seu caminho", costumam dizer. Tudo bem. É o que também dizem os náufragos no meio do oceano, e os cegos no meio do tiroteio. Gente sensata sai de casa com um mínimo de noção do lugar para onde quer ir. Um endereço no bolso, que seja. Só bêbados tentam descobrir o caminho no meio da caminhada. Em geral, não conseguem. Nos piores casos, acabam numa delegacia.

A única coisa que eles conseguem divisar no horizonte é uma ruptura, uma revolta generalizada, uma explosão. Como essa ruptura não tem conteúdo nenhum, qualquer coisa assemelhada a uma ruptura serve. Trata-se da tal "mágia homeopática", que abordei num post anterior. Convencido de que a sociedade, como a natureza, opera por semelhança, o pajé infere que pode produzir qualquer efeito desejado imitando-o cerimonialmente. "Hoje, é greve estudantil. / Um dia, a greve geral / toma conta do Brasil / e o capitalismo... babau!" Pajelança em estado bruto. Daí ao desfecho a que assistimos não vai mais que um passo. Uns malucos se reúnem, manipulam uma assembléia, invadem a Reitoria a botinadas, provocam a ação da PM, chamam uma greve, invadem as salas de aula, e lá se vai mais um semestre, em nome de caminhos que a caminhada infelizmente não foi capaz de descobrir.

Toda essa máquina ideológica maluca gira em torno de um único eixo: as tais "assembléias". Sem assembléias, a pajelança toda fica inviável. Sabendo disso, o pajé trata de envolver essa porcaria, esse lixo autoritário numa aura democrática. O que aconteceu no pátio da História, ou no pátio da Letras (vejam o vídeo postado anteriormente) seria um renascimento da democracia direta dos atenienses. O povo reunido na ágora decide seus próprios destinos. No post de amanhã, desceremos a ripa nessa mitologia imbecil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário